1- É evidente que quando
falo em raça em textos ou aulas não uso o conceito biológico. Penso, e não há
novidade nisso, a raça como categoria política-social-cultural historicamente
constituída. Em resumo: para a biologia eu pertenço a uma única raça, a humana.
A maioria da polícia, todavia, me trata como branco mesmo e não me cria
problemas. Eu tenho a armadura explícita de proteção da pele branca em um país escravocrata,
onde a questão da percepção da raça me parece fundante do que somos.
2- O racismo opera de três maneiras: na impressão
mais direta da cor da pele; na desqualificação dos bens simbólicos daqueles a
quem o colonialismo tenta submeter e no trabalho cruel de liquidar a autoestima
dos submetidos, fazendo com que estes introjetem a percepção da inferioridade
de suas culturas.
3- É baseado nestas duas últimas percepções de como opera o racismo que insisto na ideia de que as ações afirmativas não podem se limitar a cotas que facilitem o acesso de minorias aos bancos acadêmicos, por exemplo. Precisamos de ações afirmativas no campo da episteme; para estabelecer formas de luta que disputem o campo simbólico e afirmem a sofisticação de saberes não canônicos.
4- A colonização (e penso em colonização como fenômeno de longa duração, que está até hoje aí operando suas artimanhas), gera "sobras viventes", gentes descartáveis, que não se enquadram na lógica hipermercantilizada e normativa do sistema. Algumas "sobras viventes" conseguem virar sobreviventes. Outras, nem isso. Os sobreviventes podem virar "supraviventes"; conceito que ando matutando para definir aqueles que foram capazes de driblar a própria condição de exclusão (as sobras viventes), deixaram de ser apenas reativos ao outro (como sobreviventes) e foram além, inventando a vida como potência (supraviventes). Uma disputa operada apenas no campo da política e da economia pode gerar ganhos efetivos, é claro. Mas o salto crucial entre a sobrevivência e a supravivência demanda um enfrentamento epistêmico e batalhas árduas e constantes no campo poderoso da elaboração de símbolos.
5- Cada vez mais me convenço do seguinte: a esquerda também precisa, urgentemente, se descolonizar se quiser pensar em alguma coisa para o país que escape dessa ideia limitadíssima de inclusão pelo consumo como finalidade de um projeto transformador.
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